sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os Cegos de Brüeghel - PARTE III

Na obra do simbolista Maëterlinck, Os Cegos surgem como parte daquele modelo de peças estáticas que Peter Szondi considera exemplares da crise do drama de fins do século XIX. Retomando imagens da Santa Ceia, 12 cegos guiados por um caolho estão em cena porque acabaram de trilhar longa caminhada e se sentaram para o devido descanso.

O repouso, alinhavado por falas cômicas dos cegos que esperam a comida a ser trazida pelo caolho, que deveria ser um breve interlúdio até a refeição, entretanto, começa a se desdobrar como longa espera.

E o caolho, mestre-guia, que pelas falas dos cegos deveria estar longe buscando a refeição, queda-se dormente entre os cegos. Devido à ausência da visão, eles não percebem que estão sentados à mesa com o décimo terceiro homem. Aos poucos, o público vai percebendo que o bando está sem guia, pois este evidencia-se como um homem morto, caído no lugar central da refeição que nunca mais existirá.

Prestes a enfrentar a morte, e ignorantes em relação ao futuro, a peça teatral de Maëterlinck redimensiona o material original de Brueghel e recoloca o tema de modo franco, grotesco e duramente cômico.

Na obra homônima de Michel de Guelderode, a citação chega a ser textual e Brueghel aparece como “personagem” não vista pelos cegos, que seguem seu caminho vago rumo a Roma. Perdidos no caminho labiríntico que os paralisa historicamente, estas personagens são pálidas sombras (ou sobras) da humanidade que definha. E, justamente por isso, foram retratadas por um pintor que por ali passava:


“Cego 1 Nas montanhas, sim, existe eco. Estamos nas montanhas! Não estamos mais perambulando em círculos! E esse pintor que nos pintou faz pouco, não esteve na Itália? Não disse que devíamos atravessar as montanhas?

Cego 2 Como se chamava o pintor? Aquele esquisitão, que nos deu um florim?

Cego 3 Isso! Metido a artista, todo intelectual, pintando cegos! Que fim!

Cego 2 Acho que era um tal de Brueghel.

Cego 1 Era esse mesmo, Brueghel! Alguém conhece? Ninguém... E vamos dar ouvido para um artista?”

Nesta peça curta de Michel de Guelderode, a pintura-matriz é claramente retomada e D. Lamprido, o caolho, brinca com os destinos da humanidade cega que, poderoso, tem nas mãos. A força política se evidencia – o que torna este material uma bruta flor capaz de instaurar discussões suficientemente sólidas quanto à imagem da dimensão pública do homem atual.

Novamente, o grotesco é a base formal em que o autor se apóia.

Por Antônio Rogério Toscano
Dramaturgo, Diretor e Professor de Teoria e História do Teatrona Escola Livre de Teatro de Santo André - ELT,na Escola de Arte Dramática - EAD/USP e PUC

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