sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os Cegos de Brüeghel - PARTE i

O espetáculo Os Cegos de Brueghel, da Cia. Levante da Cooperativa Paulista de Teatro, nasceu da necessidade de abordarmos crítica e artisticamente alguns aspectos fundamentais da formação social contemporânea. Em épocas de retomada cinematográfica do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, que almeja abordar a crise de relações humanistas e a redução zoológica do homem urbano hiper-civilizado, o tema se mostra bastante consistente.


No caso deste trabalho, o material tomado pelo grupo como estímulo propulsor foi a obra pictórica intitulada Os Cegos, do artista plástico flamengo Brueghel. No entanto, um projeto desta alçada não poderia se fazer sem que outras fontes o alimentassem, por isto também compõem este universo imaginário as obras de Michel de Guilderode, Miguel de Cervantes e Bertolt Brecht, sem deixar de citar o autor belga Maurice Maëterlinck, com seu texto Os Cegos. O interesse por este autor não é novo, na Cia. Levante, que realizou a montagem d’O Pássaro Azul, uma livre adaptação dos materiais da obra-prima deste dramaturgo – vide material fílmico anexo. Esta identificação encontra profunda ressonância no que diz respeito aos interesses do grupo, como a experimentação da palavra poética simbolista e do jogo teatral armado no “espaço vazio” articulado por Peter Brook – outra forte referência teatral desta companhia. Tais materiais são de profunda importância para a trajetória histórica do teatro no Ocidente e constituíram-se como matérias fundamentais para a construção da dramaturgia deste projeto. Em todos eles, o princípio atuante do GROTESCO manifesta-se amplamente, com suas aplicações e percepções críticas.



A pintura de Brueghel, o Velho, que motiva este trabalho como matriz inspiradora, já realizava de modo pontiagudo e precoce, em finais do Renascimento, um apanhado grotesco desta condição, apontando com tons de ironia o caminhar labiríntico que constituiria o rumo (a estrada!) histórico dos novos tempos a serem instaurados, a partir da crise da fé medieval e do surgimento do mundo moderno, pautado pelas exigências do capitalismo emergente. A metáfora, explícita, de três cegos guiados por um caolho e que vão em busca de soluções imediatas, que seriam encontradas de forma redentora em uma chegada milagrosa a Roma (todos os caminhos levam a Roma?) está presente no imaginário popular do Ocidente desde a Idade Média e é de profunda serventia para o artista que deseja retratar, por viés cômico, a ausência de saídas e a cegueira das forças ideológicas que regem o homem contemporâneo.
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Realizar este trabalho nas ruas, muitos séculos depois, no agora de 2009, como uma experimentação formal sobre o Teatro de Rua, retoma o aspecto crítico do Velho de Brueghel e deseja, através do uso criativo dos materiais matriciais, com abordagem abertamente grotesca e com forte uso das máscaras corporais, instaurar um olhar sobre o presente – como fizeram as outras matrizes textuais que já se valeram do tema. O teatro popular de retábulos do Século de Ouro Espanhol e as atuais formas épicas de experimentação da cena são pontos estruturais da pesquisa de linguagem. Portanto levar às ruas, logo ao homem comum, a partilha derivada desta pesquisa será de extrema valia, especialmente diante das dificuldades geradas pelas leis de consumo quanto à possibilidade do público de apreciar as formas teatrais – sobretudo aquelas que escapam do senso comum demarcado pela cultura de mídias de consumo.
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Deste modo, este espetáculo pretende atuar sob formas rigorosas de criação e percepção crítica do sujeito histórico do presente, através de um trabalho pautado pela comicidade e pela explosão grotesca da teatralidade.
PPor Antônio Rogério Toscano
Dramaturgo, Diretor e Professor de Teoria e História do Teatro
na Escola Livre de Teatro de Santo André - ELT,
na Escola de Arte Dramática - EAD/USP e PUC

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