sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os cegos de Brüeghel - PARTE II


Resgatamos elementos cruciais da formação artística do homem moderno. Já na pintura de Brueghel, no século XVI, a perspectiva grotesca flagrava o caminhar temerário rumo ao futuro daqueles homens cegos que estão a instantes da sua derrocada. Metáfora clara da crise da fé cega medieval, o futuro também é incerto e fixa-se na tela de Brueghel como temor em relação à recente retomada comercial realizada pela Europa. O quadro, cujas tintas grotescas retomam temores recorrentes em sua obra, coloca-se como eternização de um instante de instabilidade – o homem diante do abismo que se configura no futuro.


Como obra capaz de plasmar seu presente histórico de transição (do mundo medieval ao moderno), a força pictórica de Brueghel foi vista pelo encenador alemão Bertolt Brecht como referencial para o debate sobre a dimensão discursiva e política da obra de arte. Brecht, evidentemente, já percebia a importância das obras de Brueghel pela quantidade de célebres dramaturgos que retomaram este material.


Seus estudos apontam sério interesse pelo grotesco na pintura de Brueghel, mas sobretudo estabelece relações narrativas com ela (basta ver as semelhanças claras entre Paisagem com a queda de Ícaro, de Brueghel, e O vôo sobre o oceano e algumas outras idéias expostas nas peças de aprendizagem de Brecht.

Brecht não se fixou em Os Cegos, mas certamente chegou a Brueghel trilhando o caminho daqueles bufões que são personagens de Brueghel. Estudioso como era, não lhe devem ter escapado as releituras dramatúrgicas dos dramaturgos belgas Maurice Maëterlinck e Michel de Guelderode (ambas também intituladas Os Cegos).

Por Antônio Rogério Toscano

Dramaturgo, Diretor e Professor de Teoria e História do Teatro
na Escola Livre de Teatro de Santo André - ELT,
na Escola de Arte Dramática - EAD/USP e PUC

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